Por Cláudio C. Silva
Em abril do ano em curso, durante a tomada de posse do novo Ministro de Turismo, Márcio Daniel, o Presidente da República, João Lourenço, apelou-lhe a fazer, com carácter prioritário, um diagnóstico para “descobrir por que razão é que, com todas as condições que tem”, Angola não consegue “ainda, verdadeiramente, atrair” turistas.
Desde o início do seu mandato, em 2017, o Presidente já está no seu 5.º ministro do turismo, depois de Ângela Bragança, Adjany Costa, Jomo Fortunato e Filipe Zau. São 5 ministros em 7 anos, sendo que Adjany Costa teve um mandato de apenas meses. Como se estas constantes mudanças não bastassem, neste mesmo período, o PR fundiu o Ministério do Turismo com os do Ambiente e Cultura em 2020, para depois os dividir novamente em 2024. Com certeza, esta falta de estabilidade institucional não contribui para a funcionalidade do sector.
Foi durante o seu segundo mandato que o PR tomou talvez uma das decisões mais consequentes para o desenvolvimento do turismo em Angola: a isenção de vistos para mais de 90 países por um período de 30 dias, abolindo assim um dos sistemas de vistos mais restritivos e burocráticos do planeta.
Recentemente, notamos também a entrada de cadeias hoteleiras internacionais no país, como o Grupo IHG (Hotel Intercontinental Luanda Miramar), o Marriott International (Protea Hotel Luanda), o Hilton (que anunciou a futura abertura de um hotel na Ilha em parceria com o Grupo Veleiro) e a Hoti Hotéis, que anunciou a abertura de um hotel Meliá em Luanda nos próximos 3-4 anos. Por fim, em março deste ano, o Executivo aprovou o PLANATUR, um programa que promete revitalizar o turismo em Angola com um investimento de 3 mil milhões de USD em diversas áreas nos próximos 3 anos.
Contudo, não só de hotéis e programas vive o turismo. Infelizmente, o nosso país tem um péssimo historial no que toca a implementação de programas, e isso é transversal a todos os sectores; aliás, a questão de Angola nunca foram a quantidade de programas, mas sim a sua execução. Somos todos testemunhas do falhanço de diversos PAPAGROs, das lojas Poupá-Lá vazias, dos Nossos Super sem clientes, dos hotéis do INFOTUR fechados (felizmente, alguns já foram privatizados, e bem haja).
Lembro-me que há escassos 5 anos, estava eu no World Tourism Forum, em Talatona, um empresário turco anunciou no local que seriam investidos mil milhões de dólares no sector de turismo; a imprensa pública destacou este anúncio de forma empolgada sem sequer fazer as perguntas mais básicas, como sobre a proveniência destes fundos ou os seus destinos. 5 anos depois, já não se fala do World Tourism Forum, e muito menos do montante astronómico que foi anunciado.
Apesar das mudanças constantes de ministros, apesar dos anúncios bombásticos sem sustento, apesar dos fóruns e do fogo de artifício, apesar das tacadas de golfe e de programas bonitos no papel, a simples realidade é que Angola não tem turistas porque o país não reúne três requisitos fundamentais para a pratica do turismo: um sistema bancário inserido no sistema financeiro mundial, condições mínimas de saneamento básico nas infraestruturas aeroportuárias e rodoviárias, e formação adequada para os trabalhadores do ramo.
Multicaixas sem dinheiro e cartões inutéis
Na minha mais recente viagem pelo país com dois colegas estrangeiros que nunca tinham estado no continente, um do Brasil e outro dos Estados Unidos, notei com um certo humor negro, próprio de quem vive aqui, quão incrédulos eles estavam com a falta de dinheiro nos Multicaixas. “Como é possível um ATM não ter dinheiro?”, perguntou-me o brasileiro. É uma pergunta válida. Não tenho memória de alguma vez ir a um ATM no estrangeiro, seja em Abidjan, Dakar ou Joanesburgo, e deparar-me com uma máquina sem dinheiro.
E tem mais: os meus colegas vieram com pouco dinheiro em cash. Neste momento (julho de 2024), o Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro não dispõe de uma casa de câmbio nem de uma agência bancária funcional. Com os Multicaixas sem dinheiro, era impossível para os meus colegas obterem Kwanzas. Vamos analisar rapidamente o impacto dessa situação. Avisei aos meus colegas que em Angola não temos Uber, mas temos apps similares: Yango, Heetch, Ugo e Bolt. Contudo, estes táxis só aceitam cash, e é impossível adicionar outros métodos de pagamento (como cartões Visa e MasterCard, mas já chegaremos lá). Para um turista recém-chegado, habituado a pagar tudo com contactless ou, pelo menos, a trocar dinheiro no aeroporto ou obter dinheiro no ATM, qual seria o procedimento? Se eu não estivesse com eles, como chegariam ao hotel? Vamos adiante.
Postos na cidade, os meus colegas rapidamente perceberam que não poderiam usar os seus Visas e MasterCard na vasta maioria dos lugares que visitavam. É uma condição um tanto quanto absurda: os visitantes querem gastar dinheiro no país, querem comprar recordações, querem pagar por serviços excepcionais, mas deparam-se com um sistema de pagamentos que simplesmente não aceita os cartões que eles utilizam no resto do mundo. E se na capital é assim, nas outras províncias que visitámos, nomeadamente Huíla, Namibe e Kuando-Kubango, estes cartões são equivalentes a tentar pagar com uma carta de condução do Turquemenistão. Inúteis.
A escassez de cash nos Multicaixas, as longas filas para obter dinheiro quando os Multicaixas “têm valores”, e a falta de aceitação de cartões Visa e MasterCard pela esmagadora maioria dos estabelecimentos hoteleiros, de restauração e comerciais não são apenas problemas para o desenvolvimento do turismo. Espelham as graves consequências de Angola não estar efetivamente inserida no sistema financeiro mundial, pelas diversas razões já conhecidas. Os nossos bancos não estão equipados para distribuir aparelhos suficientes que aceitem cartões estrangeiros, o que dificulta a nossa capacidade de usufruir das divisas que os visitantes ao país querem deixar aqui.
Casas de banho sem papel-higiênico
Estamos prestes a iniciar operações no novo Aeroporto Internacional de Luanda, vulgo Dr. António Agostinho Neto. Este aeroporto, projetado para receber 15 milhões de passageiros quando o país recebe actualmente menos de 2 milhões, é um dos maiores investimentos públicos feitos pelo governo angolano pós-independência. Ao mesmo tempo, chegam-nos notícias de que um grupo chinês vai construir a primeira autoestrada de Angola, que ligará o norte ao sul do país. Os números exatos não são públicos, mas estima-se que o novo aeroporto, e as obras adjacentes a esta empreitada, custaram mais de 7.500 milhões USD; a nova autoestrada vai requerer um investimento ao redor de 2,5 mil milhões USD.
Contudo, apesar de investimentos de vários mil milhões USD nas últimas duas décadas, as estradas do país continuam uma lástima; a manutenção das nossas estradas é quase inexistente, o que provoca a rápida deterioração das mesmas, especialmente na época chuvosa. Em viagens de carro pelo país, vemos o estado deplorável das poucas casas de banho existentes nas poucas estações de combustível entre as cidades e municípios; o conceito de áreas de serviço ainda não existe por cá. Se somos incapazes de manter simples estradas de duas faixas, seremos capazes de arcar com as responsabilidades de manutenção de autoestradas? Adiante.
Apesar de investimentos de centenas de milhões USD na reabilitação e construção dos nossos aeroportos domésticos, os mesmos apresentam grave sinais de falta de manutenção e saneamento básico. Nas nossas viagens, é comum nos depararmos com casas de banho sem luz, sem água e sem papel-higiênico. Temos aeroportos sem máquinas de raio-x funcionais, sem balanças digitais, e sem cafés onde podemos comprar uma simples água. A grande maioria dos aeroportos domésticos recebe apenas um voo por dia, o que torna virtualmente impossível a sua rentabilização e a existência de negócios viáveis no seu perímetro. Como será com uma estrutura gigantesca como o novo aeroporto?
O saneamento básico é essencial não só para turistas, mas para toda a população angolana. O investimento na criação de condições mínimas nos aeroportos, nas estradas do país e nas atrações turísticas não requer fóruns ou grandes somas de dinheiro; é simplesmente senso comum. Este deveria ser o foco das administrações comunais, municipais, provinciais e, claro, nacional, de onde realmente vem o dinheiro e onde está concentrado o poder de decisão. Ir às Quedas de Kalandula, as segundas maiores de África, e não ter uma casa de banho no local, em 2024, é uma falha inadmissível para um país que quer atrair turistas, sejam eles locais ou internacionais.
Sem formação, nada feito
O inglês é a língua franca do mundo do turismo. Tirando o nosso vizinho do norte, todos os outros países ao nosso redor falam inglês. As populações dos 90 países para os quais Angola abriu as suas portas tendem a falar inglês. É imperativo que os funcionários dos aeroportos, das companhias aéreas, dos hotéis, dos restaurantes, e de serviços similares tenham pelo menos um conhecimento básico desta língua. Actualmente, a experiência de navegar um ou vários aeroportos domésticos, as alfândegas, e os postos fronteiriços com visitantes que não falam português e funcionários que não falam inglês é totalmente contraproducente.
Mas não é só no domínio do inglês que falhamos. É em toda a estrutura do atendimento ao cliente. É na forma como lidamos com o hóspede. É na maneira que falamos com o convidado. E pudera. Com um dos piores sistemas de ensino no continente, onde futuros trabalhadores saem das universidades sem as ferramentas necessárias para serem colaboradores no verdadeiro sentido da palavra, o turismo é apenas mais um sector que sofre com as consequências da negligência do ensino em Angola. Esperar que um colaborador que nunca visitou outro hotel ou restaurante, além do espaço onde trabalha, seja de repente um servidor exímio é viver no mundo da fantasia. E os donos de estabelecimentos do sector são alguns dos principais fomentadores deste mundo.
Felizmente, com os devidos apoios e organização, a formação dos nossos próprios colaboradores é algo que podemos mudar sem depender necessariamente do estado. É verdade que em 20 anos de paz, o estado poderia ter feito muito mais nessa área. E das iniciativas que já foram feitas, os resultados são escassos. Mas cabe aos stakeholders do sector encarar a realidade como ela é: a formação dos nossos funcionários é também uma responsabilidade de quem emprega, pois do estado, actualmente, não se pode esperar muito mais.
Conclusão
A primeira coisa a perceber é que, além dos benefícios óbvios, a abertura das nossas fronteiras e a nova facilidade de entrada no país trazem novas responsabilidades. Angola está aberta ao mundo e, com isso, a novas exigências, e convém sermos proactivos ao invés de reactivos.
Vejamos um exemplo recente: a exposição nas redes sociais, por parte de uma turista brasileira, da corrupção desmedida nas nossas estradas coincidiu com a proibição de “operações stop” desse tipo em todo o país. Nós, como angolanos, já denunciamos isso há décadas, mas foi preciso uma exposição nacional e internacional para que algo fosse feito, apesar dos ministérios envolvidos afirmarem que uma coisa não teve nada a ver com a outra.
Pouco tempo depois, fruto de uma reunião entre os seus respectivos ministérios, o Ministro do Turismo e o Ministro do Interior anunciaram que, finalmente, removeriam os postos de controlo migratório em voos domésticos. É uma práctica já descontinuada na esmagadora maioria dos países que apostam no turismo, e que já foi diversas vezes questionada pelos mais variados intervenientes do turismo local.
Estas medidas são positivas, apesar de tardias, e agora têm de ser implementadas a nível nacional. E é precisamente nesta vertente onde muitas vezes noto que o país anda a duas (ou mais) velocidades.
Recentemente, um conhecido chef nacional fez uma visita ao Complexo Memorial do Rei Mandume, na vila de Oihole, município do Namacunde. Encontrou o memorial fechado, em pleno dia de semana. Foi informado pelo guarda no local que teria de solicitar, por escrito, à Administração do Namacunde, a visita ao Complexo e as razões da sua visita. Inaugurado em 2002 e rodeado de obras inacabadas, o memorial encontra-se em estado de degradação. Mesmo assim, dá-se ao luxo de afugentar turistas que poderiam contribuir, de alguma forma, para a sua reabilitação.
Este é o país real.
Temos, por isso, a necessidade de um investimento consciente e urgente na nossa própria formação, a todos os níveis, por parte de todos os stakeholders do ramo, e é necessário fortalecer as bases antes de voos mais altos. O saneamento básico nos aeroportos, nas estradas e nas atrações turísticas é inadiável e prioritário. E temos de criar as condições e arranjar mecanismos para visitantes poderem gastar divisas neste país de forma simples e conveniente, ou pelo menos facilitar o seu acesso à moeda local.
É urgente encurtar a distância entre a retórica e a realidade.
Este artigo esta
muito realista tudo é o que realmente se passa em Angola
Parabéns
Carlos Rafael Carvalho
Um artigo que não merece muitos comentários pois tocou em pontos que todos nós podemos concordar que são factos que espelham a nossa realidade. Por mais artigos deste género.
Assino embaixo! Simplesmente perfeito! A AEBRAN e a CCAB estão disponíveis para colaborar em qualquer programa que tenha como objetivo trabalhar os pontos levantados em seu artigo.