O futuro do “comer fora”

Um artigo de opinião

Então, o que significa para nós, angolanos, comer fora? Qual é o nosso conceito de fora? E como é que isso tem moldado a forma como nos alimentamos?

“Comer fora” é um conceito amplo por definição, mas podemos simplificá-lo com comer fora de casa. Mas para nós, angolanos, comer fora de casa pode significar muita coisa: ir à casa da tia, à casa da vizinha, ao quintal onde “há sopa e almoço”, à Chicala, às roulotes… e, claro, aos restaurantes. E dentro dos restaurantes, incluímos também pastelarias, snacks, bares, hamburgarias e pizzarias.

Mas então, por que é que o bolinho da rua não entra nesse conceito de “comer fora”? E os kingoles, as magogas, a banana-pão assada, a ginguba, o bombó frito? Os pinchos, os frangos grelhados, os cabrités? Isso também não é comer fora?

Com a nossa diversidade e transversalidade culinária, a comida de rua angolana precisa de ser celebrada e exaltada. E não estamos a falar de romantizar uma banana com ginguba comprada pela senhora da limpeza e postada no Instagram. Nem de criar mil reels sobre a beleza do micate com kitaba – que, no fundo, até sabemos que não é propriamente nosso.

Voltamos à pergunta: o que é, afinal, comer fora para nós?

Noutras latitudes, observa-se uma crescente curiosidade gastronómica que timidamente vai nascendo aqui,e com “aqui”, estamos a falar apenas de Luanda. Comer massa numa garagem em São Paulo, petiscar nas ruas de Nova Déli, desfrutar de uma maçaroca no México, comer uma bola de Berlim em Carcavelos, provar doces coreanos no shopping popular – tudo isto parece normal, soa bem, remete a imagens específicas, certo?

Todas essas experiências têm mudado, mesmo que de forma subtil, a nossa forma de nos relacionarmos com a comida. A correria do dia-a-dia, a inflação e os desafios económicos obrigam-nos a ser criativos. E surgem novas soluções: a venda de marmitas, o nascimento das cafetonas – sim, as moças que vendem café com contratos mensais -, as janelas abertas onde se vendem bifanas e caldo verde, os restaurantes que nem abriram oficialmente mas já têm reviews.

Consideramos que apesar de todos os constrangimentos que existem para abrir um negócio, há um fervilhar na gastronomia angolana, há vontade, há criatividade, há novos espaços a nascer. Mas os velhos problemas continuam: empregados que não dominam o menu, falta de recomendações, o famoso “infelizmente não tem”, e menus padronizados onde o pica-pau, o choco frito e o bitoque continuam a dominar – ainda assim dispomos de uma abundância de ingredientes frescos e locais ao nosso alcance.

Mas este não é apenas um apelo para restaurantes melhores. É mais profundo: é sobre a forma como vemos a comida.

A nossa escolha não pode ser limitante às tábuas mistas, um quiabo grelhado não devia ser motivo de recusa. Um prato de moelas com moamba não devia assustar. Nem as mutetas, nem os catatos. Tá bom, sabemos que o catato é o limite para muita gente… mas permitam-se experimentar.

A forma como vemos a nossa comida e a forma como nos nutrimos deve ser revolucionária. Não é só sobre o que comemos, mas sobre como comemos, onde comemos, e porquê.

“Comer fora” não é apenas uma prática social, é um espelho das nossas escolhas e da forma como nos permitimos viver e experimentar. Talvez esteja na hora de expandirmos esse conceito, de olharmos com mais atenção para o que é nosso, de exigirmos mais de nós mesmos e do nosso mercado gastronómico.

No fim do dia, temos mesmo de comer, e se for para o fazer fora, que seja com gosto.

Bom apetite.

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