O que o LNL nos deu: Uma carta de despedida

Caro leitor,

Um dos meus maiores defeitos é não saber terminar bem as coisas. Não saber definir bem um fim. Assim sendo, e mantendo-me fiel a mim mesmo, não estou a conseguir dar por terminada a minha participação no LNL. Mas tem de ser. E a razão deste ponto final é muito simples: abri um restaurante, e chama-se Kissanje.

Fundámos o LNL em 2013 (já lá vão 12 anos) com uma dose saudável de ingenuidade, perseverança e loucura – porque é necessário ser-se um pouco louco para enveredar por este tipo de negócio num país com as nossas características. Confiamos em vocês de corpo e alma: na vossa capacidade de leitura num mundo cada vez mais antileitura, onde o conteúdo é consumido em rajadas de 6 segundos num scroll infinito num smartphone qualquer; na vossa vontade de conhecer novos lugares e novas realidades neste vasto país; na vossa curiosidade e na vossa paciência enquanto crescíamos como empresa.

Ao longo destes anos, o LNL deu-nos tanta coisa. Em termos de conteúdo, escrevemos centenas de reviews, guias turísticos, newsletters semanais, artigos de opinião a lamentar o estado actual das saladas nos nossos restaurantes, entre outros reparos, e inúmeras fotografias no Instagram e Facebook.

Em termos de eventos, conseguimos realizar o Angola Restaurant Week, o Luanda Cocktail Week, o Angola Hotel Week, os Jantares Nómadas by LNL, os jantares Na Mesa do Chef. E claro, os Prémios LNL. Fizemos tudo isto com uma equipa minúscula, sem escritório próprio, sem carro da empresa, sem qualquer tipo de regalia, mas com sentido de missão, com amor à camisola e com insanidade colectiva.

E não foram conquistas pequenas. Os números que alcançamos orgulham-nos: ao longo destes anos, mais de um milhão de pessoas visitou o nosso portal (a vasta maioria a partir de Angola, mas também de Portugal, Brasil, Inglaterra e África do Sul), e várias centenas de milhares (ainda) seguem-nos nas redes sociais; mais de 10.000 pessoas assinaram a nossa newsletter semanal. Em nove edições do Angola Restaurant Week, o nosso maior evento, os restaurantes participantes venderam mais de 45.500 menus, o que significa que, já que uma percentagem das vendas de cada Menu Restaurant Week revertia para a caridade, doámos acima de 20.000.000 AKZ para várias causas sociais espalhadas pelas províncias de Luanda, Benguela e Huíla. Durante estes 9 anos de Restaurant Week, vocês gastaram mais de 150.000.000 AKZ nos restaurantes que participaram nesta iniciativa.

O conteúdo que criamos e os eventos que realizamos atraíram algumas das melhores e maiores empresas angolanas, que tivemos a honra de ter como clientes e que tornaram possíveis os nossos sonhos. Trabalhámos com parceiros visionários de vários sectores, incluindo a banca, o retalho, os transportes, a distribuição e o comércio geral, entre vários outros. Colaborámos com instituições públicas nacionais como o Ministério do Turismo, bem como instituições internacionais como a WESGRO, a agência de promoção de investimentos de Western Cape, na África do Sul.

Mas, como vocês já devem ter reparado, nunca fomos os mesmos pós-COVID. Nunca voltámos àquela mesma intensidade, apesar de termos continuado com os artigos e os eventos. A nossa ambiciosa equipa, já pequeníssima, olhou para novos horizontes e abraçou outros projectos, como manda a vida. Casamo-nos, tornamo-nos pais e mães, abrimos negócios e entregamo-nos a novos desafios profissionais ao mais alto nível, tanto no sector privado como no sector público.

Até que chegou a minha vez de abraçar um novo desafio profissional. No ano passado, intensifiquei o meu trabalho com a renomada revista americana Roads & Kingdoms, que conta com o Chef José Andrés e o falecido Anthony Bourdain entre os seus investidores e colaboradores. Com os meus colegas da revista, incluindo o escritor brasileiro Rafael Tonon e o fotógrafo americano Clay Williams, desenhámos as primeiras viagens africanas do League of Travelers, o novo projecto que consiste em tours gastronómicos de pequenos grupos que combinam excelência culinária, jornalismo de viagem e imersão cultural profunda. Os destinos escolhidos por Nathan Thornburgh, CEO da Roads & Kingdoms: Cidade do Cabo e… Angola. Angola foi escolhida por uma razão muito simples: o Nathan é seguidor do LNL desde 2016. O sucesso da primeira viagem do League of Travelers neste país foi tanto que o tour foi renovado e já está praticamente esgotado para este ano.

Contudo, a principal razão da minha ausência e da ausência do LNL nas vossas vidas foi a abertura do meu projecto de vida, o Restaurante Kissanje. O sonho de transformar a antiga casa da minha mãe na Maianga em restaurante é ainda mais antigo que o LNL, e o primeiro plano de negócios que partilhei com ela foi em 2010. O restaurante finalmente abriu as suas portas em Outubro de 2025, mas anda a consumir-me por completo desde há três anos. Foi uma entrega total da minha parte e, neste momento, há pouco mais que consiga fazer: como amigos e familiares se fartaram de avisar-me, é como se tivesse parido um filho.

Por outro lado, e igualmente importante, como restaurador já não posso avaliar os meus colegas de profissão com a mesma isenção. O meu nome está intrinsecamente associado tanto ao LNL como ao Kissanje e o conflito de interesses é mais do que aparente. Já não é ético estar a escrever reviews sobre os restaurantes dos outros sendo eu próprio proprietário de um restaurante.

Isto significa o fim definitivo do LNL? Não. Como já vos disse, sou péssimo a terminar as coisas. É importante referir que não vamos colocar nem o site nem as nossas páginas das redes sociais fora do ar. As mesmas ainda servem um propósito. Podem ser usadas como referência (não viajo cá dentro sem os nossos próprios guias provinciais), e até hoje recebemos telefonemas (muita gente julga que o número do LNL é o número do hotel ou do restaurante pelo qual pesquisam). Continuaremos a responder às vossas solicitações e perguntas por correio electrónico (contactos@luanda-nightlife.com) e nas nossas DMs.

Entretanto, eu e o meu sócio estamos a estudar diferentes cenários para a nossa empresa e a analisar o futuro do LNL. Por isso esta pausa, por isso esta espécie de até já. Despeço-me do teclado e das reviews, mas nunca do espírito que me fez entregar tudo a esta necessidade, esta vontade indescritível de contribuir para o crescimento do turismo e da gastronomia deste país.

O espírito do LNL – essa curiosidade insaciável, essa celebração da nossa gastronomia – continua intacto no Kissanje, e convido-vos a todos a virem experimentá-lo connosco.

Cláudio Silva
Sócio-gerente do LNL
claudio.silva@luanda-nightlife.com

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