Texto: Pedro Correia
Fotografia: Vasco Célio
Este artigo foi publicado na edição Dezembro-Janeiro 2014 da Revista Rotas & Sabores, parceiro de mídia do Luanda Nightlife. Leia a revista na sua íntegra aqui.
O sol, pela manhã, faz antever um dia quente. O cheiro a terra molhada e os charcos aqui e ali revelam indícios de uma chuva miudinha que caiu de madrugada. Pequenas gotas de água pingam das folhas já verdes das árvores que enchem a paisagem. Acabámos de aterrar no Menongue, a pequena cidade capital do Kuando Kubango – a província angolana mais a sudeste do país.
O nosso roteiro turístico é ambicioso mas imediatamente nos lembramos que “as terras do fim do mundo” há muito deram lugar às “terras do desenvolvimento”. A província do Kuando Kubango, antes sem qualquer prioridade nos projectos do progresso, foi também palco das maiores batalhas da guerra angolana. Kuito Kuanavale e Mavinga são hoje marcos da história da resistência dos angolanos à invasão militar sul-africana dos finais dos anos 80. Para trás ficaram as cicatrizes de um conflito definitivamente ultrapassado e sobre as quais se constrói agora o futuro.
Consultamos o mapa e passamos os olhos sobre os nossos apontamentos já comodamente instalados a bordo do jipe, previamente alugado a uma das poucas casas de rent-a-car da cidade, e revemos a rota para os próximos dias. Para já vamos em direcção ao lodge onde ficaremos alojados.
Quem visita o Kuando Kubango já tem opções para todos os gostos. O turismo histórico e cultural revela locais que guardam “estórias” das civilizações que foram passando pela região, e cujos vestígios se podem ver hoje em diversas localidades da província, enquanto o ecoturismo oferece um leque variado de escolhas, desde safaris a visitas a determinadas comunidades locais, passando pela observação da natureza.
As reservas naturais de Mavinga e Luiana, o parque natural regional do Cuelei, assim como várias coutadas públicas, começaram a recuperar o património natural perdido. Avestruzes, búfalos, gnus, hipopótamos, jacarés, impalas, hienas, leopardos e leões, são alguns dos animais que regressam às origens e que já podem ser observados nesses territórios integrados no grande projecto do Okavango que vai criar a Área de Conservação Transfronteiriça Zambezi-Kavango, envolvendo Angola, Namíbia, Zâmbia e Botswana, país onde se situa o delta do rio Okavango.
Se quisermos visitar estas reservas naturais e coutadas públicas temos de pedir apoios e autorizações das autoridades da província e a programação tem de ser minuciosamente preparada, já que são territórios que ficam a grandes distâncias da cidade do Menongue, alguns, mesmo, a cerca 500 quilómetros, a maior parte deles feitos em picada.
Mas existem opções mais perto da cidade. Na comuna de Caiundo, ainda no município de Menongue, a cerca de 160 quilómetros da sede, o rio Kubango oferece um espectáculo raro de observação de hipopótamos no seu meio natural.
Um pouco mais perto, a cerca de 12 quilómetros do Menongue, situa-se o Lodge Rio Cuebe que organiza mini-safaris à reserva que criou uns quilómetros mais adiante. Também organizado pelo Rio Cuebe Lodge, podemos desfrutar de um passeio à “Pousada do Sossego”. Fica num caminho no interior do lodge onde chegamos em pequenos veículos utilizados para transporte interno desta unidade hoteleira. Em menos de dez minutos, e por entre uma vegetação ora mais densa ora de savana, chegamos a uma das muitas curvas do serpenteante rio Cuebe.
Também pelos caminhos da História
A História da província não pode ser contada sem a referência lógica à resistência dos angolanos às invasões sul-africanas dos anos 80, que têm os principais marcos nas batalhas do Kuito Kuanavale e de Mavinga. Mas já muito antes, o Kuando Kubango foi inscrito nas páginas da História ao acolher, de forma trágica, muitos angolanos que no início dos anos 60 se decidiram pela resistência ao poder colonial, numa luta de libertação nacional que começou a 4 de Fevereiro de 1961 e terminou a 11 de Novembro de 1975, com a proclamação de independência de Angola.
E foram muitos os angolanos presos e desterrados para o Kuando Kubango, onde permaneceram vários anos encarcerados no campo prisional do Missombo, situado a cerca de 18 quilómetros da cidade do Menongue, e que hoje se pode visitar. Uma história que vai ser contada página por página quando os vários edifícios que constituíram o campo prisional forem requalificados e transformados em museu. O espaço adjacente vai também receber uma nova escola de Artes e Ofícios.
Mas o Kuando Kubango revela também outros pedaços da História mais longínqua. A cerca de 5 quilómetros do centro da cidade do Menongue, numa pequena elevação situada nas margens de uma estrada de terra, encontram-se as ruínas do Forte Muene Vunongue ou Forte do Menongue. Trata-se dos restos da primeira fortificação militar naquela zona de Angola, construída em 1887, para assegurar a presença portuguesa e dar início à criação de um novo aglomerado populacional que, mais tarde, se chamou Serpa Pinto, em homenagem ao militar e explorador português e, depois, cidade do Menongue nome que provém do rei Muene Vunongue que governava os povos Nganguela quando os primeiros portugueses ali chegaram.
Ainda com interesse histórico-turístico e arquitectónico, a província do Kuando Kubango tem o Museu de História de Menongue, a catedral de Menongue, que data de 1953, e a igreja de Nossa Senhora das Dores, no município do Cuchi, que data de 1912, e ainda a igreja paroquial de Santa Cruz, no município do Rivungo, construída em 1897.
Depois destes dias de aventura, regressámos ao hotel, fizemos as malas e partimos. Na bagagem levamos a vontade de regressar e as memórias de uma terra que antes foi sofrida mas que, agora, na companhia do sol, abre as portas ao futuro.
Tome nota
Como ir:
A partir de Luanda, a província do Kuando Kubango tem ligações aéreas da TAAG pelo menos quatro vezes por semana: às segundas, quartas, sextas e domingos. A cidade de Menongue fica a 1050 quilómetros de Luanda. As estradas foram totalmente reabilitadas e estão hoje em perfeitas condições. As viagens por terra podem ser feitas pelo Huambo, que fica a mais de meio caminho (a cerca de 600 kms de Luanda e a 425 kms de Menongue), ou pelo Lubango, numa viagem mais longa (1000 kms até ao Lubango e mais 500 kms entre o Lubango e Menongue).
Onde ficar:
Rio Cuebe Lodge, na Estrada Menongue-Caiundo, km 11 – Kuando Kubango. Telf.: +244 940 371 873/917 260 086
Onde comer:
Restaurante Cuebe, no Rio Cuebe Lodge
Cuidados a ter:
Se a viagem for feita no tempo frio (entre Maio e Agosto), deve levar roupa bastante quente (as temperaturas, especialmente à noite, podem baixar até aos zero graus). Em qualquer altura do ano deve ser utilizado repelente para insectos. Se a intenção for tomar banho nos rios, deve informar-se junto das autoridades e da população local que praias fluviais podem ser utilizadas em segurança já que, além de áreas poluídas pelas localidades próximas, existem muitas zonas de jacarés.
Imperdível:
A beleza do Rio Cuebe, onde se pode tomar banho em sítios autorizados, e o mini-safari disponibilizado pelo Rio Cuebe Lodge.
Preços médios:
O alojamento no Rio Cuebe Lodge tem preços que variam entre os 40 mil kwanzas, para uma suite single com pequeno-almoço, e os 50 mil kwanzas, para uma suite dupla também com pequeno-almoço. Estes preços sobem para os 48 mil kwanzas se optar por pensão completa em suite single, e 66 mil kwanzas, se for pensão completa em suite dupla. No Rio Cuebe Lodge são servidos buffets ao almoço e jantar pelo preço de 6 mil kwanzas por pessoa, mas também podem ser servidas refeições à la carte com preços que, em média, podem chegar aos 3 mil kwanzas. Também são servidos petiscos e snacks com preços que variam entre os 800 e os 2 mil kwanzas.