Antes de mais, devo salientar que o título deste artigo não corresponde à realidade. Na verdade, não se trata propriamente de uma conversa, mas antes de um desabafo. Longe de ser uma troca de ideias, apresenta-se mais como uma birra em forma de prosa.
Precisamos de falar sobre saladas.
Por alguma razão, muitos de nós crescemos com a ideia de que comer salada era uma espécie de castigo. As nossas mães preparavam refeições deliciosas e, posteriormente, colocavam sempre na mesa uma travessa com uma suposta “salada” — tomate, alface e cebola crua — e insistiam para que a comêssemos. “Não te esqueças de comer a salada!” ou “E a salada, quem é que vai comer?”, eram expressões constantes na casa onde cresci.
Pelos vistos não fui o único com esta experiência de vida, pois os menus da vasta maioria dos restaurantes de Luanda (e, por extensão, do país) mantêm esta visão redutora do que é uma salada. Parece-me uma espécie de psicóse nacional, como se fizessemos todos parte do mesmo culto. Mesmo tendo acesso a maior quantidade de informação na história da humanidade, com um número inconcebível de receitas na palma da mão, insistimos no mesmo trio. Tomate, alface e cebola crua.
Porquê?
Gostaria um dia de conhecer a pessoa, ou grupo de pessoas, ou organização secreta, seja quem for, que nos incutiu na mente que salada se resume apenas a isto, pois fizeram um trabalho extraordinário.
O grupo, ou organização ou vidente que nos conseguiu convencer de que uma salada consiste apenas em rodelas de tomate, algumas folhas de alface e cebola crua é, talvez, mais influente que o próprio MPLA e tem, possivelmente, a capacidade para realizar um golpe de estado. É mesmo muito poder. E é aqui que o SINSE deve investigar, pois não é possível servirem-nos isto em todo o país como se de um mantra se tratasse. Com tantas folhas nesta terra, com tantos legumes, vegetais, fruta e temperos, como é admissível que a salada seja sempre a mesma nas 18, perdão, 21 províncias deste país?
Os conspiracionistas adoram falar sobre os Illuminati e o Opus Dei. Mas e aqueles que inventaram esta salada?! Como é possível olhar para a infinita variedade de ingredientes disponíveis e concluir: “Nada, alface, tomate e cebola é mesmo a cena toda?” Existirá alguma máfia da salada que vai aos restaurantes e às casas das pessoas ameaçá-las de morte caso violem a sagrada trindade da salada? Haverá por aí algum lobby do alface? Só isso explicaria como é que uma folha tão simples, sem sabor digno de nota, básica e insignificante, conseguiu atingir tal estatuto. Não tem a complexidade da rúcula, aquele sabor apimentado que combina lindamente com limão, pimenta preta e queijo…
Em diversos países, existem conceitos de restauração inteiramente dedicados a saladas. O Sweetgreen, nos EUA, é um dos mais conhecidos. O Chopt é outro exemplo. Geram milhões de dólares apenas a servir saladas. A África do Sul tem também os seus próprios estabelecimentos. Portugal segue esta tendência, e no Brasil a oferta é ainda mais vasta. O mesmo acontece no Senegal, no Quénia, enfim, a lista é grande.
Vivemos numa realidade onde temos acesso fácil a salsa, coentros, rúcula, manjericão, hortelã, funcho, espinafre, alface icebergue, agrião, cebola roxa, beringela, manga, abacate, ananás, laranja, cenoura, pimento, queijos, bacon, carne de porco curada, e tantos outros produtos de qualidade, todos produzidos localmente. A maioria destes produtos até podem ser comprados nas ruas da cidade.
Podemos, juntos e com muito amor, ser mais criativos com as saladas que consumimos e vendemos? Podemos quebrar o lobby do alface? Podemos olhar para a infinidade de receitas e criar saladas que nos orgulham, que fazem uso nos nossos produtos, do nosso paladar?
Será possível quebrar a santa trindade do tomate, alface e cebola crua?