Um regresso à casa: os quintais e restaurantes que me dão as boas vindas

Por Pamina Sebastião

Os dias de cacimbo sempre foram para mim um momento perfeito para relembrar momentos passados com a nostalgia de um prato quente. Desta vez não foi diferente. Estando de volta a Luanda há bem menos de um mês, senti-me invadida, logo nos primeiros dias, pela necessidade do bom funge, do bom mufete e também dos grelhados com batata frita.

As memórias do que é um bom frango com batata frita ou mesmo um frango à portuguesa trazem-me sempre à mente as várias churrascarias desde Odivelas a Algés, com as quais cresci em Portugal.

Nestas últimas duas semanas, fui a todos os restaurantes possíveis para matar as saudades do tanto que Luanda, depois de quatro meses, me fazia.

Comecei na Chicala I. Que agora me sabe sempre mais próximo ao nosso país irmão da língua, São Tomé. Lá no quintal da tia São Tomense, encontro sempre o equilíbrio do bom mufete com arroz e banana pão ao gosto do tempero de São Tomé. Desta vez, fomos em família – afinal, as doses valem a pena para ir em grupo. Um peixe de 10 a 12 mil kwanzas dá perfeitamente para duas ou mais pessoas, dependendo do estômago.

Chegando lá, estávamos prontos com kumbú na carteira, não só porque lá só aceitam dinheiro em mãos, mas porque era a graduação da minha irmã mais nova. Levamos um pouco mais para comemorar em grande estilo, obviamente. Foi um almoço de semana daqueles que até nos confundem, porque parece sábado, mas não é. Esse almoço nos criou uma memória! Daquelas que antigamente valiam como fotos para serem impressas e colocadas na sala de estar, dizendo em voz alta: “Este foi o meu almoço de graduação.”

Nada melhor para um almoço de volta, né!? Só que soube-me tão bem que deixou-me com gosto a pouco. Afinal, voltar merece um relembrar diário de todas as comidas fantásticas que temos, ainda mais feitas em quintais.

Podia passar horas a falar sobre quintais. Gosto da interligação que acontece num quintal, desde ser uma fuga aos preços altos da cidade cara que é Luanda, até à tia mais velha que cozinha para uma família extensa, composta pelas pessoas que voltam todos os dias. Mas, acima de tudo, gosto da dança performática de nos comunicarmos através dos sons das comidas servidas, permitindo-nos criar solidariedades com quem se atreve a construir ali um momento de comunidade, mesmo quando nem conhecemos a pessoa sentada ao lado. Ali, tomamos refeições em conjunto, tal como faríamos em família.

O bom dos quintais de Luanda é que há muitos e de diferentes formas.

Quintal da Tia Fátima, Maculusso

Em particular, sou pessoa de casa do quintal do Maculusso, o da tia Fátima, vou lá há anos. E como não podia deixar de ser, comer um funge de molho de tomate com frango ou entrecosto só podia ser ali. As tias até já lhes conheço os nomes, sentar e receber o meu funge nunca me soube tanto a voltar a casa. As doses como sempre não mudaram, o preço aumentou um bocado, agora são 4 mil kwanzas, mas as doses valem bem a pena, nunca as consigo acabar e dois take-aways sempre me garantem o jantar ou almoço para o dia seguinte.

Quintal da Tia Fátima, Maculusso

Nandinhos e La Vigia se seguiram. A minha primeira semana foi bem assim, a “bater as capinhas”, como dizem. A semana não podia, de maneira alguma, acabar sem comer um bom grelhado, com o nosso grelhar tão específico da celeridade da cidade, mas nada melhor que os que me relembram a infância. Cresci com o tempero português, do bom frango grelhado com batata frita. Esse que nem acho ser mais português por estar já tão entranhado com o toque da nossa Luanda.

Mesmo com as obras ali à entrada, o restaurante Nandinhos permanece aberto e com casa cheia ou quase sempre cheia. Perguntei logo pelo frango com batata, arroz e salada rústica, olhei ao redor e parecia-me ser o mais pedido. Ao custo de 7 mil kwanzas voltei momentaneamente à infância. Confesso que não me soube a igual, o tempero desta vez deixou um pouco a desejar, mas sei que quando lá voltar o recuar no tempo vai saber ainda melhor.

Já no La Vigia foi bem diferente. Senti-me como alguém em missão, à espera do prato para devorá-lo com um sorriso no fim, de tão bom que estava. Apesar da fome inicial, sentar e receber um fino com jinguba bem torrada acariciou o meu apetite para o pianinho com batata frita e salada que estava por vir. Ainda pensei que a dose de 12 mil não me fosse deixar repleta, mas aqueles últimos ossos do piano custaram a entrar. Estava tudo perfeitamente bom, tanto que tentei voltar, mas fecharam para obras no dia seguinte.

Não pude deixar de achar engraçado o alinhamento do timing. Senti-me sorrir por ter conseguido pelo menos matar saudades. Achei que foi a prenda apropriada de boas-vindas, dar-me um cheirinho para depois fecharem para obras.

Sinto-me, de facto, de volta. Obrigada à cidade, aos quintais e restaurantes. A missão de voltar e saborear continuará, certamente, ao longo de todo o mês, mas essa recepção foi, de facto, o aconchego que precisava.

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