Faz um exercício engraçado connosco: pergunta a alguém conhecido (ou a várias pessoas!) sobre a proveniência do bacalhau. Temos quase a certeza de que a resposta será Portugal. E faz sentido, não? É que nós fazemos uma associação automática entre este icónico peixe salgado e a gastronomia portuguesa na sua forma mais elementar. E cá em Angola, onde a gastronomia portuguesa tem uma influência tão grande naquilo que comemos, o bacalhau tornou-se praticamente nacional. É quase impossível ir a um restaurante neste país sem ver pelo menos um prato que contenha bacalhau no menu.
Mas o bacalhau não é português.
A grande maioria do bacalhau consumido em Portugal e, por extensão, em Angola, onde todas as empresas importadoras são portuguesas, é de origem…norueguesa. De facto, a Noruega é o segundo maior exportador mundial de peixe e marisco (depois da China) e, além do salmão, um dos seus principais produtos de exportação é o afamado bacalhau.
Mas estás totalmente perdoado se pensaste que o bacalhau fosse um produto português. A ligação histórica entre o bacalhau norueguês e a gastronomia portuguesa remonta à era Viking e fortaleceu-se durante a chama Era dos Descobrimentos. No século XIV, marinheiros portugueses conheceram o bacalhau seco através dos noruegueses no Atlântico Norte. O método de conservação em sal permitia longas viagens mantendo o valor nutricional. O que era ideal para as longas viagens dos marinheiros.
A Igreja Católica impulsionou o consumo do bacalhau em Portugal, já que os católicos não podiam comer carne em dias religiosos. O bacalhau salgado tornou-se a alternativa ideal, impulsionado ainda mais pelas fortes relações comerciais entre Portugal e a Noruega.
No século XVI, Portugal trocava sal de Setúbal por bacalhau norueguês, beneficiando ambos os países. E já no século XVIII, Portugal pescava bacalhau nas águas de Newfoundland, no Canadá, mesmo assim mantendo importações da Noruega. Esta longa tradição fez do bacalhau o “fiel amigo” da cozinha portuguesa.
Atualmente, Portugal continua a ser um dos maiores consumidores mundiais de bacalhau per capita, tendo esta tradição gastronómica sido transmitida às suas antigas colónias, com especial destaque para o Brasil e Angola.
O bacalhau norueguês em Angola
As relações entre Angola e a Noruega sempre se focaram, naturalmente, no petróleo. No entanto, o governo norueguês identificou em Angola uma oportunidade de negócio: a expansão do seu mercado de exportação directa de bacalhau. Foi assim que nasceu um excelente evento gastronómico para o qual o LNL foi convidado: um almoço intimista na residência do embaixador da Noruega em Angola, Bjørnar Dahl Hotved, intitulado “A Família do Bacalhau”.
Neste almoço, organizado pela Embaixada da Noruega em parceria com a empresa pública Norwegian Seafood Council, dirigida por Johnny Håberg, Diretor da empresa para a África Central e Ocidental, aprendemos algo muito curioso: existem quatro tipos diferentes de bacalhau: o gadus morhua, que é, de longe, o mais consumido em Portugal e em Angola, o saithe, que aqui e nos dois Congos é conhecido como macaiabo (isso mesmo!), o ling e o zarbo.
Para nos explicar as nuances dos dois principais tipos de bacalhau consumidos cá no país, o gadus e o macaiabo, os organizadores decidiram contar com os préstimos do nosso muito conhecido Chef Ricardo Braga, que nos deliciou com vários pratos — canapés de macaiabo numa espécie de bolacha estaladiça, pastéis de bacalhau (gadus) servidos com molho de calulu, feito com caldo do mesmo bacalhau, um bacalhau à Brás extraordinário feito com batata palha estaladiça, arroz de bacalhau como só o Ricardo sabe fazer e, por fim, um pão-de-ló de Ovar servido com um fio de azeite e “sal” que, na verdade, eram raspas de bacalhau desidratado. Como podem imaginar, foi uma refeição verdadeiramente memorável.
O macaiabo
Algo que nos fascinou durante as explicações do Johnny e do embaixador Bjørnar foi a popularidade do saithe na nossa região, que conhecemos como macaiabo. É surpreendente pensar que a grande maioria deste peixe, tão comum tanto em mercados formais como informais, é importada diretamente da Noruega. Nos dois Congos (Brazzaville e Kinshasa) e no norte de Angola, o macaiabo tornou-se uma iguaria local, sendo amplamente consumido e apreciado. Normalmente é servido com fumbua e kikwanga, mas durante o almoço o Ricardo preparou-o de tal forma que era praticamente impossível diferenciá-lo do tradicional bacalhau.
A diplomacia gastronómica
Um dos objectivos dos noruegeses é expandir o nosso conhecimento sobre os outros tipos de bacalhau e, naturalmente, estabelecer parcerias com as principais cadeias de distribuição no país. Como referiu Armindo Laureano, diretor do Novo Jornal, durante o almoço, foi uma excelente forma de experimentarmos na pele (e no paladar!) as vantagens da diplomacia gastronómica. A conjugação de um dos mais importantes produtos noruegueses com as nuances da rica gastronomia angolana faz-nos perceber que as oportunidades de cooperação e intercâmbio são imensas.